1.886 famílias de presos recebem auxílio-reclusão no Sistema Penitenciário Cearense
O auxílio-reclusão é um amparo social concedido aos dependentes do contribuinte previdenciário que está cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto. Ao contrário do que é disseminado em larga escala por algumas pessoas nas rodas de conversa, redes sociais ou em outros veículos de comunicação, não são todas as famílias de detentos que recebem o benefício. No Ceará, atualmente, 1.886 dependentes de presos são beneficiados, o que representa apenas 7,6 % da população carcerária do Estado.
A Legislação Previdenciária antevê o auxílio-reclusão, que é concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) às famílias dos chamados “segurados obrigatórios”, que tinham um trabalho formal antes de serem presos, ou os “facultativos”, que não gozavam de um vínculo com uma empresa, mas pagavam, por opção própria, o Guia da Previdência Social (GPS), podendo, desta forma, usufruir do que é oferecido pela seguridade social.
O direito ao auxílio-reclusão foi instituído em 1960 pelo então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek. Hoje, o benefício é previsto na Lei n° 8.213, assinada por Fernando Collor de Mello, em 1991.
Para que os dependentes tenham acesso, é necessário que seja comprovado que o preso era o responsável financeiro da família e que ele esteja segurado na data da prisão ou até um ano antes do cárcere. Torna-se indispensável, também, que o último salário recebido por ele esteja dentro do limite previsto pela Legislação, que atualmente pode ser igual ou inferior a R$ 1.319,18.
De acordo com o último registro apresentado pela Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado do Ceará (Sejus), 24.729 pessoas compõem a população carcerária cearense. Estes, divididos nos regimes fechado, semiaberto e provisório. Deste total, 1.886 famílias têm auxílio-reclusão ativo, número que representa 7,6% do total de pessoas que estão reclusas nas penitenciárias e cadeias do Estado. Conforme o INSS, foi pago R$ 1,6 milhão a título de auxílio-reclusão, em 2017, no Ceará.
Segundo o órgão, se os valores fossem divididos pela quantidade de benefícios, a média a ser paga deveria ser de R$ 864,46. Entretanto, a Previdência Social estabelece como menor valor a ser pago a importância de R$ 954, que corresponde ao montante destinado ao salário mínimo vigente.
Aumento
Na última década, o percentual relacionado ao auxílio-reclusão registrou um aumento de duas vezes e meia, saltando de 237 famílias beneficiadas, no ano de 2008, para 844, em 2017. Em Fortaleza, o acréscimo foi de sete vezes, de 42 amparos, no ano de 2008, para 339, no ano passado.
Ainda de acordo com o INSS, 1.522 dos instituídos (quem está preso) são trabalhadores da zona urbana e 364 da zona rural. Em 1.829 dos casos, o benefício foi instituído por homens e em 57 por mulheres.
Segundo o presidente do Conselho Penitenciário (Copen), Cláudio Justa, o período de recebimento do auxílio-reclusão não é indeterminado e não está ligado ao tempo de cumprimento da pena. O advogado diz que o benefício serve para que os dependentes se reorganizem financeiramente até que se adaptem às novas circunstâncias.
Conforme Justa, o amparo é calculado caso a caso, pois são analisadas a perspectiva da pena, a idade do encarcerado e as condições dos familiares. O presidente do Copen afirma, ainda, que se o preso fugir da penitenciária ou for liberto, o auxílio é cessado.
De acordo com o INSS, o amparo tem duração variável conforme a idade e o tipo de beneficiário. Se a reclusão ocorrer sem que o segurado tenha contribuído, no mínimo, 18 vezes, ou se o casamento ou união estável se iniciar em menos de dois anos antes da encarceramento, a duração do benefício pode chegar a quatro meses, iniciando a partir da data do recolhimento do preso.
A idade do dependente também influencia na duração do auxílio. Para os menores de 21 anos, o tempo máximo é de três anos. Àqueles com idade entre 21 e 26 anos, passa a ser de seis anos. Entre 27 e 29 anos, o recebimento pode chegar até o período de 10 anos.
O auxílio-reclusão pode durar 15 anos para dependentes de 30 a 40 anos e 20 anos para aqueles que têm entre 41 e 43 anos. Apenas a partir de 44 anos, o benefício é vitalício.
Para Cláudio Justa, se o interno for privado pelo cometimento de algum delito, a família dele não pode ser penalizada, pois seria uma dupla punição. “A pena não pode passar da pessoa que cometeu o ato ilícito, por isso deve ficar restrita a ele. As pessoas perguntam ‘quem vai pagar essa conta?’. Por isso, foi pensado na Previdência Social, que dispõe um benefício que alcança essa questão da privação do trabalho em razão do encarceramento do provedor. Não é o criminoso típico que tem direito ao auxílio, e sim o eventual, contribuinte do INSS, que, possivelmente, não vivia do crime”, pontua.
O advogado compara o auxílio-doença ao auxílio-reclusão, afirmando que se tratam de eventos incertos, que podem acontecer a qualquer momento e que não têm um prazo carencial de um ano de contribuição para ser solicitado, como os outros benefícios da Previdência.
Apoio pecuniário
Cláudio Justa diz que a “contrapartida securitária” não é concedida a todos os presos. Contudo, conforme o advogado, dentro das penitenciárias, eles podem desenvolver alguma atividade, de forma remunerada, nos termos da Lei. O provento, entretanto, normalmente, é destinado à família.
O presidente do Copen ressalta as atividades-escolas, que são fábricas instaladas no Sistema Penitenciário que empregam pessoas que cumprem pena em regime semiaberto. Conforme Cláudio Justa, o interno, então, passa a receber o que ele chama de “apoio pecuniário”, um valor abaixo do salário mínimo concedido ao preso como uma forma de compensar o trabalho desenvolvido. Ele destaca a remição penal, que consiste na ideia de que a cada dia trabalhado, dois dias serão diminuídos na pena daquela pessoa.
De acordo com o defensor público do Núcleo de Assistência aos Presos Provisórios e às Vítimas da Violência (Nuapp), Emerson Castelo Branco, o regime de execução penal deveria ter a educação e o trabalho como os dois principais pilares fundamentais.
O defensor público avalia que, atualmente, o cotidiano de um preso se resume a ócio e a drogas, considerando este um problema histórico de gestão, que vem se avolumando há décadas. “Estas pessoas deveriam estar trabalhando dentro das unidades prisionais para a subsistência da própria família e também para indenizar a vítima”, ressalta.
Extinção do benefício
Sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 304/2013, apresentada pela deputada federal Antônia Lúcia (PSC-AC), que prevê a extinção do auxílio-reclusão, Emerson Castelo Branco acredita que não tem sentido acabar com o benefício, afirmando que as propostas são de cunho populista e que atendem aos anseios das pessoas que acreditam na mentira de que todos as famílias dos presos recebem o amparo. “Estas ideias fazem parte de uma politicagem, que se vale da falta de informação das pessoas para angariar votos do chamado populismo irracional”, destaca.
Cláudio Justa garante que abolir o auxílio-reclusão seria inconstitucional, uma vez que a dignidade humana está em questão. Na visão do presidente do Copen, o debate popular que discute se o benefício deveria ir para a vítima é equivocado, uma vez que, para ele, as duas famílias são vítimas.
“É necessário que se entenda que o INSS é um seguro que dá a contrapartida da contribuição que a pessoa fez. Ele tem um destinatário certo. O juiz pode aplicar uma indenização à vítima, o que nada tem a ver com o auxílio-reclusão”, ratifica Cláudio Justa.
Deficiência no sistema
A defensora Pública da União (DPU), Carolina Botelho, acredita que o Estado deve proteger a todos. Segundo ela, a comunicação é a principal deficiência do auxílio-reclusão, tanto com a sociedade como no próprio sistema prisional, que não conversa com o Poder Judiciário e nem entre si. “Se o trabalhador está preso em um Estado e a família dele reside em outro, como ela vai conseguir a certidão de encarceramento para conseguir o amparo?”, indaga.
Para a defensora pública, o processo de aprovação auxílio-reclusão torna-se difícil e demorado, porque a maioria das famílias dos presos que contribuíram com a Previdência Social não sabem do direito que podem usufruir.
Carolina define como burocrático o processo para que as famílias consigam o benefício. “Elas precisarão se deslocar à unidade prisional para pedir na administração a certidão de encarceramento do segurado, que demora dez, às vezes, 30 dias para ficar pronta. É uma burocracia, principalmente agora, com reorganização das prisões e a transferências dos encarcerados, o que torna ainda mais tardia a entrega do que foi requerido”, assevera.
Contudo, a defensora pública da DPU certifica que, se a família requerer o benefício em até 90 dias da prisão, receberá o valor retroativo. Entretanto, se o pedido for feito somente após os três meses, será calculado a partir do dia da solicitação. Para continuar recebendo o auxílio-reclusão, a família que está recebendo o amparo social deve pegar a certidão de encarceramento e apresentar ao INSS a cada trimestre como uma forma do órgão comprovar que o cárcere ainda persiste. (Colaborou Itallo Rocha)
Diário do Nordeste