Sistema agroflorestal de Nova Olinda é referência no interior do CE
Em 1995, integrantes da Associação Cristã de Base (ACB), entidade localizada no Crato, participaram de curso sobre sistemas agroflorestais, em Triunfo (PE), com o agricultor e pesquisador suíço Ernst Gotsch. Na ocasião, Jeová Oliveira, membro fundador da organização cearense, propôs apresentar o sistema aos produtores do Cariri. A primeira experiência na Região começou na propriedade do próprio Jeová, em Potengi.
O sucesso convenceu outros agricultores, entre eles, José Raimundo de Matos, o Zé Artur, 76, que transformou sua terra classificada como “improdutiva”, num local “onde tudo dá”. São apenas dois hectares no Sítio Tabuleiro, em Nova Olinda, mas o suficiente para alimentar toda a sua família e até comercializar. Nascido e criado na localidade, ele pôs os pés na roça aos oito anos e cresceu “na enxada” desde então.
Quando pequeno, conviveu com outros agricultores, inclusive seus pais, que trabalhavam queimando a terra para brocar e, depois da praga do bicudo, que atingiu o algodão, colocar agrotóxicos.
A prática “tradicional” foi mantida até ter contato com o sistema agroflorestal pela primeira vez, através da ACB. Um grupo de pesquisadores alemães ajudou cerca de 20 agricultores de vários municípios do Cariri a adotarem uma nova forma de manejo. Zé Artur foi um deles. “Aqui não tinha nada, era só pedra. Em 1997, fiz minha casinha e comecei”. Duas décadas depois, o agricultor colhe frutos – literalmente – do seu trabalho .
Pés de manga, atemoia, fruta-pinha, acerola, seriguela, cajá-umbu, limão e laranja se misturam com árvores nativas e legumes. “Não tinha nenhuma frutinha. Hoje, quando chega no tempo, a gente tem. Nós não sabíamos nem o que era acerola”, conta sua esposa, a agricultora Sebastiana Luíza de Matos.
A diversidade é fruto de um novo plano de manejo que, através da paciência, mudou vidas e também a paisagem. No começo, Zé Artur plantou feijão-andu, depois, saiu um pé de juá e de pau-ferro. Em seguida, começou a plantar angico e sabiá. Paralelo a isso, cria porco e galinha. “Tudo em pouca terra. Tem pessoas com muita terra e não desenvolvem essa atividade”, diz.
O Sistema Agroflorestal ou Agricultura Sintrópica trabalha com a recuperação pelo uso, ou seja, o estabelecimento de áreas altamente produtivas e independentes de insumos externos, como agrotóxicos e pesticidas.
A ideia é trabalhar a favor da natureza, associando os cultivos agrícolas com os florestais, recuperando os recursos em vez de explorá-los e incorporar conceitos ecológicos ao manejo. No Cariri, Zé Artur é um exemplo. “Olha, se você tem uma pequena propriedade e faz serviços de queimação, veneno, larga bicho pisando, aquilo ali acaba com o solo”, reitera.
O agricultor adverte que, até o solo ficar produtivo, é importante esperar. “Se ela (a terra) não for boa nesse ano, você vai forrar com matéria orgânica e ela vai se desenvolver”, garante. Da maneira tradicional, ele explica que a terra pode dar uma boa safra no primeiro ano, mas, com o tempo, a produção vai caindo. “Quando se trabalha três, quatro vezes não dá mais nada. É diferente dessa que a gente trabalha. Ela vai crescer, crescer e fica para filhos e netos produzindo”, descreve orgulhoso.
Hoje, a propriedade de Zé é referência em Sistemas Agroflorestais. Por causa do seu trabalho, já viajou para o Maranhão, Piauí e Bahia, para participar de intercâmbios e narrar sua experiência.
Além disso, o agricultor já recebeu centenas de pessoas de várias partes do Brasil e do exterior, como Bélgica, Suíça, Suécia, Estados Unidos, Japão, França e Itália. Em um caderninho, guarda a assinaturas de todos os visitantes para registrar.
Dentro do circuito turístico de Nova Olinda, em 2009, sua casa passou a funcionar como uma pousada rural, que recebe até quatro hóspedes. A produção de Zé Artur serve, principalmente, para sua alimentação e de sua família. Porém, pela grande quantidade de frutas colhidas, elas são vendidas na cidade e ele confessa que são mais valorizadas por serem orgânicas. “Se o agricultor acaba com sua terra, vai trabalhar na dos outros. Não vai ficar parado. Eu mesmo fiz isso, porque o meu terreno não prestava mais. Hoje, trabalho aqui, e dá suficiente para viver”, exalta Zé Artur.
Além da produção diversa, sua esposa também destaca outra facilidade: “O feijão enrola nos galhos de pau e fica assim, baixinho, bom de colher. Não tem que ficar no chão”, brinca.
Diário do Nordeste