Queixas contra falta d’água da Cagece aumentaram 53% em 2018
A rotina da assistente financeira Daiane Bonfim, 27, começa quando o sol ainda está tímido. Expediente no trabalho cedinho, aula da graduação à noite. De segunda a sexta-feira, o mesmo itinerário. O que ela não sabe, porém, é se ao chegar em casa, às 22h, vai conseguir, sequer, tomar banho antes de dormir, embora a conta do serviço esteja quitada. Diante das constantes interrupções no abastecimento, o bairro Jangurussu, onde mora, acumulou nos últimos três anos o maior volume de queixas por falta d’água em Fortaleza, ao passo em que a Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) lidera como a mais reclamada entre os clientes, além de ter registrado elevação de 53,3% nas contestações em 2018.
Em número absolutos, o órgão anotou no Jangurussu 6.577 reclamações formalizadas por moradores entre 2016 e 2018, conforme material obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI) e analisado pelo Núcleo de Dados do Sistema Verdes Mares (SVM). Siqueira (4.728), Vila Velha (3.953), Mondubim (3.449) e Passaré (2.963), também localizados na periferia, aparecem na sequência da lista com acumulados inferiores. O período registrou 135.587 queixas em todos os bairros da Capital, tendo a maior oscilação no ano passado, quando a Cagece passou de 34.701 em 2017 para 53.202, o que resulta no incremento de 53,3%.
Conviver com a instabilidade diária na oferta de água afeta diretamente os serviços domésticos e até os cuidados básicos de higiene, como relata Daiane Bonfim. “Pela manhã, você liga a máquina de lavar e acha que está tudo certo, mas quando vai ver, nem começou a encher. À noite, depois de passar o dia inteiro fora, já perdi as contas de quantas vezes eu tive que esperar a água subir para tomar banho”, pondera a moradora que buscou soluções por conta própria para amenizar o problema. “Comprei uma caixa-d’água para ter uma reserva maior, mas ainda assim, não chega em todos os cômodos da casa”.
A dificuldade do acesso à água vivenciada pela estudante e por tantos outros fez aumentar não só o número de queixas à própria Cagece, como também elevou a procura ao Departamento Municipal de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor. De acordo com o Procon Fortaleza, a empresa recebeu no último triênio 3.479 reclamações de clientes insatisfeitos. Do total apurado em 2018, o órgão elenca os problemas mais relatados: cobrança indevida (939), cobrança abusiva mediante constrangimento (87), dúvida sobre reajuste (82) e valor da mensalidade (43).
A concessionária amarga, nos anos de 2016, 2017 e 2018, o primeiro lugar na listagem das empresas mais reclamadas. A tendência negativa já é observada nos quatro primeiros meses de 2019, uma vez que a Companhia concentra 409 denúncias, permanecendo até agora em igual posição.
Notificação
Devido à alta quantidade de requisições computadas em curto espaço de tempo, o Procon Fortaleza notificou a Cagece na última terça-feira (30) para que no prazo de até 10 dias corridos a Companhia apresente um planejamento apontando as medidas internas adotadas a fim de solucionar as demandas dos consumidores. A informação foi revelada pela diretora do órgão, Cláudia Santos, que solicita uma reavaliação de “velhas posturas” e a adoção de práticas assertivas com os clientes.
“A Cagece tem que rever a sua conduta. Caso a empresa não forneça as informações requisitadas, ela está passível às sanções do artigo 58 do Código de Defesa do Consumidor, como multa de R$ 700 a R$ 3 milhões. É a sanção mais aplicada porque, por exemplo, não dá para interditar uma empresa como ela, já que é a única a oferecer o serviço, então a multa é a mais aplicada”, explica Cláudia Santos.
Enquanto a resposta concreta vem, a diretora do Procon Fortaleza reforça que os consumidores podem procurar apoio jurídico quando as suas queixas não tiverem solução. Por lei, ela aponta, as falhas na distribuição de água devem ser compensadas em folha. “É importante o consumidor ficar atento para fazer a compensação do período que não teve o fornecimento do serviço. Ele não pode pagar por um serviço que ele não teve. E outra, o consumidor precisa ser comunicado com antecedência da interrupção”.
Interrupção
Contudo, segundo o autônomo Jonh Anderson, 26, a suspensão chega de surpresa. Não fosse os baldes de água reservados por ele antes mesmo do corte temporário, “nem lavar as mãos eu conseguiria”. Ainda assim, a quantidade previamente estocada é insuficiente para as atividades, o que o obriga a comprar água mineral. “Além de beber, a gente toma banho e cozinha com ela. Por semana, eu gasto R$ 15. É revoltante”, critica.
Por meio de nota, a Cagece esclareceu as questões levantadas nesta matéria. Sobre a falta d’água pontuada, a empresa informa que o abastecimento na Capital encontra-se funcionando em sua normalidade e que as reclamações são solucionadas dentro dos prazos. Já em relação à oferta de água no Jangurussu, “trata-se de uma área com muitas incidências de ligações clandestinas”, justifica a Companhia.
Apesar de figurar entre as empresas mais reclamadas de Fortaleza, a Companhia destaca que “também é citada pela mesma publicação com um índice de resolutividade de 81,35% das demandas”, cujo resultado é avaliado pelo órgão como “satisfatório tendo em vista a totalidade de clientes”, finaliza a resposta enviada à reportagem.
Diário do Nordeste