Advogados que captam clientes na rua estão contra a lei
Basta cruzar a Praça da Estação, no Centro de Fortaleza, e colocar o primeiro pé na Rua 24 de Maio. Não importa o destino do pedestre, se vai às compras, trabalhar ou resolver qualquer outro assunto: se chegar ao entorno do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ele certamente será abordado com as clássicas frases. “Ei! É causa trabalhista, é? Venha cá, meu amor!” “Advogado trabalhista, é? Vamos ali no doutor, ele lhe orienta sem compromisso!”
A cena de inúmeros homens e mulheres ocupando as calçadas do Centro para captar possíveis clientes para os escritórios de advocacia ao redor da repartição pública já é tradicional, e foi flagrada durante uma manhã pela reportagem do Sistema Verdes Mares. A prática é proibida pela Lei nº 8.906/94, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Conforme o inciso IV do artigo 34, “constitui infração disciplinar, angariar ou captar causas, com ou sem a intervenção de terceiros”.
Histórico
A penalidade prevista para o profissional do Direito que infringir a lei é determinada pelo artigo 36 do Estatuto da Advocacia, que prevê a aplicação de “censura” – também cabível “nos casos de violação a preceito do Código de Ética e Disciplina”. Com essa penalidade, a infração fica anotada no histórico do advogado, que deixa de ser primário. De acordo com o texto, porém, “a censura pode ser convertida em advertência, em ofício reservado, sem registro nos assentamentos do inscrito, quando presente circunstância atenuante”.
Infração
O diretor adjunto para Jovem Advocacia da OAB/CE, Fernando Martins, explica que a instalação de escritórios nas proximidades dos órgãos públicos trabalhistas não é proibida, mas induzir pessoas a adentrar esses locais, sim. “Pode existir na fachada informações como endereço, telefone e a especialidade do advogado, se é trabalhista, criminalista, etc. Se a pessoa viu a placa e foi até lá, espontaneamente, tudo bem. Mas se ela for levada até lá através de um terceiro, é infração disciplinar ao nosso Código de Ética”.
Apesar disso, a captação de potenciais clientes no entorno dos órgãos trabalhistas segue livremente. Na Rua 24 de Maio, duas mulheres estavam sentadas em frente ao MTE e se levantaram prontamente com a aproximação da nossa equipe, que caminhava rumo à Pasta. “É causa trabalhista?” Diante da resposta positiva, a reportagem recebeu um cartão de visita da “assessora do advogado” e foi encaminhada ao escritório dele que, “sem compromisso”, forneceu orientações em relação à suposta situação apresentada, sinalizando incerteza sobre o ganho da causa.
Em outro ponto, dessa vez nas adjacências do Fórum Autran Nunes, na Avenida Tristão Gonçalves, onde funciona a Justiça do Trabalho, as abordagens também são corriqueiras. Antes mesmo de conseguir entrar no equipamento público, a reportagem foi questionada por um homem se estava à procura de abrir um processo trabalhista. O funcionário, que afirmou trabalhar para um escritório de advogados, conduziu os “clientes” ao chamado Condomínio Jurídico, prédio comercial que concentra várias salas de assistência legal.
Lá dentro, uma advogada recebeu a equipe, suposta cliente e, diante da mesma situação relatada ao profissional anterior, deu a causa como ganha. “Traga a Carteira de Trabalho, o CPF e a gente resolve isso em audiência”, garantiu.
Censura
De acordo com Fernando Martins, a OAB toma conhecimento dos casos quando é acionada por profissionais ou pela própria população. “Com isso, a Ordem fiscaliza e abre um procedimento no Tribunal de Ética e Disciplina (TED). Temos processos na Capital e abriremos turmas novas para as causas do interior”, afirma.
A reportagem solicitou o número de processos disciplinares abertos no TED sobre esse assunto, mas foi informada, por meio da assessoria de comunicação da OAB/CE, que apenas os novos dirigentes do Tribunal poderiam liberar os dados. A posse deles está prevista apenas para o próximo dia 22 de fevereiro.
As consequências da prática dos “laçadores”, como define o diretor adjunto, podem ser graves aos trabalhadores que procuram assistência. “Precisamos estar vigilantes. Uma das piores coisas que podem acontecer é o trabalhador, geralmente de baixa renda e totalmente leigo, ser induzido a uma situação que não o apetece. Pode acontecer de esse laçador se passar por advogado, tornando-se, na verdade, um empecilho para o cidadão acessar seu direito”.
Sobre a proibição da prática, o advogado reforça: “A OAB é uma das instituições mais antigas da Nação. Tem que ser conservadora e formal. Para manter essa classe do advogado, foi determinado que seria ilegal fazer campanhas e angariar causas pessoalmente ou utilizando outras pessoas. Isso não condiz com o nosso lado moral”.
Diário do Nordeste