Servidores irregulares geram rombo de R$ 500 milhões, revela levantamento do TCE
Iguatu. Um levantamento pioneiro realizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) a partir de cruzamento de números de Cadastro de Pessoa Física (CPF) de ocupantes de funções em comissão nos 184 municípios cearenses identificou indícios de acumulação ilícita de 5.495 cargos de servidores nos municípios cearenses, capazes de gerar um prejuízo ao cofres públicos de R$ 494,4 milhões por ano.
“É uma situação fora de controle e que nos deixou muito surpresos mediante a quantidade de acumulação de cargos”, observou o secretário de Controle Externo do TCE, Raimir Holanda. “Fizemos cruzamento de dados com base no CPF de ocupantes de cargo nos municípios, no Estado e na União e podemos concluir que essas acumulações geram prejuízos ao erário, resulta na falta de prestação do serviço contratado, afetando a população, além de ocupar vaga de outros profissionais que estão desempregados”.
O levantamento inicial mostra que há pelo menos 17 servidores públicos lotados ao mesmo tempo em três estados – Ceará, com Paraíba e Pernambuco e Ceará com Pernambuco e Rio Grande do Norte. Na situação de dois estados, há centenas de nomeações: Ceará com o Distrito Federal são 261; Ceará e Pernambuco são 196; Ceará e Paraíba são 115; e Ceará com Rio Grande do Norte, 101.
Na próxima semana, o TCE vai expedir ofícios aos 184 prefeitos com o objetivo de mostrar os dados do levantamento e solicitar dos gestores explicações e as medidas necessárias, como exonerações. “Pode ser que em alguns casos ocorram as exceções previstas na Constituição Federal de acúmulo de cargo ou mesmo que já tinha sido feita a exoneração daquele que acumulava função gratificada”, disse Raimir Holanda.
O secretário de Controle Externo do TCE observou que o esforço do órgão é para moralizar o serviço público. “Infelizmente, é uma prática que se observa em todos os municípios”, disse. “Pode até ser que o gestor não tenha conhecimento de que aquele nomeado ocupe outro cargo em outra cidade”.
Em um dos casos observados pela auditoria do TCE, um servidor tem jornada totalizada de 251 horas por semana. “Não tem hora suficiente para isso, mesmo que trabalhasse 24 horas por sete dias, sem folga”, disse. “Outro chega a ganhar mais de R$ 62 mil em decorrência da acumulação de cargo”.
De acordo com a Gerência de Fiscalização de Pessoal, da Secretaria de Controle Externo, foi constatado um risco de que os entes auditados tenham considerado legal a investida de servidor já ocupante anteriormente de cargo público inacumulável, seja pela natureza do vínculo ou pela incompatibilidade da carga horária.
O Tribunal visa, com essa auditoria, garantir a prestação de serviços eficientes ao cidadão, sem o prejuízo que pode ser causado com a sobrecarga de jornadas, ocasionada pela acumulação indevida de cargos públicos. Além do comprometimento da qualidade dos serviços, o TCE- Ceará ressalta o dispêndio irregular de dinheiro público para o pagamento de servidores.
Para o órgão, a fiscalização tem extrema relevância, tendo em vista que os sistemas de controle interno, muitas vezes, apresentam sérias deficiências, notadamente pela falta de ferramentas efetivas de acesso a bases de dados funcionais nos diversos níveis federativos, capazes de viabilizar esse controle de vínculos e acumulação de cargos.
Exceções
De acordo com o art. 37, incisos XVI e XVII, da Constituição Federal, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, empregos e funções, excetuando, quando houver compatibilidade de horários, a acumulação de dois cargos de professor, de um cargo de professor com outro técnico ou científico e de dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde com profissão regulamentada.
O texto constitucional trouxe, ainda, outras exceções. Em seu art. 38, inciso III, permitiu-se a acumulação remunerada de cargos públicos quando um deles for de vereador, mediante a verificação da compatibilidade da carga horária. Ainda nesse passo, nos art. 95, parágrafo único, inciso I, e art. 128, §5º, inciso II, alínea “d”, a Constituição Federal, possibilitou aos magistrados e aos membros do Ministério Público a acumulação dos respectivos cargos apenas com outro de magistério.
Selecionados
Os municípios cearenses foram selecionados, por critérios de materialidade, para serem auditados pela Gerência de Fiscalização de Pessoal, unidade técnica encarregada de desempenhar tal atribuição. A Auditoria de Conformidade que verifica indícios de irregularidades relacionadas ao acúmulo de cargos por parte de agentes públicos dos Municípios do Estado do Ceará está sob o processo nº 05437/2017-9.
O assessor técnico da Aprece, Expedito José do Nascimento, reafirmou que o órgão defende todas as ações de fiscalização e que na próxima segunda-feira, haverá uma reunião entre a presidência da entidade com o Tribunal de Contas do Estado (TCE) com o objetivo de celebrar um entendimento entre os dois órgãos.
“O TCE é um órgão que já atuava na fiscalização das contas do Estado, mas agora começa nos municípios, com a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e precisamos conhecer as ações, a linguagem, a dinâmica. Vamos buscar esclarecimentos e depois a Aprece vai se pronunciar sobre qualquer fiscalização ou auditoria”.
Expedido do Nascimento pediu cautela na divulgação de informações sobre possíveis irregularidades em casos de licitações, transporte escolar e em outras situações. “Precisamos ter cuidado, porque os primeiros levantamentos podem mostrar apenas inconsistências técnicas”, frisou. “Surgem informações sem que o gestor tenha ainda sido notificado”, concluiu.
Fonte: Diário do Nordeste