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Moradores de Barão de Cocais já duvidam de queda da barragem

O aposentado Carlos Leal, de 69 anos, ficou a maior parte da última noite acordado, pintando faixas de protestos contra a Vale, a proprietária da mina do Gongo Soco, em Barão de Cocais (MG). Desde fevereiro, ele ouve que a estrutura está prestes a desabar, mas até agora não aconteceu. “Honestamente, no início eu achei até prudente nos retirar da chamada área de risco”, afirma. “Mas agora não acredito que a barragem vá cair.”

Morador de um sítio na Vila do Gongo, um dos quatro distritos que poderiam ser soterrados pela lama em poucos minutos, Leal foi removido pela Vale para um apartamento alugado fora da área de risco. Está vivendo em Santa Bárbara, cidade vizinha, longe da sua horta e dos passarinhos que costumavam pousar na janela de casa. “Eu queria passar meus últimos dias ali, mas olha o que está acontecendo… Eles vão destruindo nossa vida.”

O aposentado não é exceção. Em Barão de Cocais (MG), o número de moradores que acreditam estar diante de um suposto “alarme falso” cresce a cada dia, mesmo com as autoridades reforçando o perigo de a barragem vir abaixo.

Na semana passada, a cidade parou com a notícia de que a parede de contenção da mina (o talude) está condenada. Segundo auditoria contratada pela Vale, a estrutura romperia até domingo, com risco entre 10% e 15% de derrubar junto a barragem Sul Superior, localizada a cerca de 1,5 quilômetro.

A data limite passou, mas a estrutura, embora escorregue cada vez mais rápido, segue de pé – aumentando a situação de incerteza entre os moradores. Já para os envolvidos no plano de emergência, a queda do talude continua sendo certa, mas ninguém se arrisca mais a informar prazo.

Nesta segunda, o ponto mais crítico do talude voltou a acelerar e chegou a avançar cerca de 22 centímetros por dia. Em média, a estrutura escorregou 18 cm – no dia anterior esse avanço havia sido de 17 cm na parte inferior e de 14 cm na superior. Para comparação, a estrutura costumava ceder 10 cm por ano, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM).

À espera do mar de lama que ainda não veio, o prefeito de Barão de Cocais, Décio Geraldo dos Santos (PV), já demonstra preocupação com o aumento de “descrentes”. “A cidade, aos pouquinhos, infelizmente, está começando a se acostumar com essa situação (de incerteza)”, diz. Para ele, o grupo pode dificultar a execução do plano de emergência, que prevê evacuar parte da cidade, se for necessário ser posto em prática.

“Quando você determina que o talude vai cair em uma data, e não cai, pode ter certeza que aumenta a comunidade que não acredita mais em nada”, afirma o prefeito. “Eu temo que isso possa atrapalhar. As pessoas têm de ficar atentas para que a gente consiga salvar todas as vidas.”

Antes de portas fechadas por causa da previsão de rompimento da barragem, agências bancárias e dos Correios voltaram a atender o público. Escolas e o hospital também funcionaram. “Até os parentes estavam com medo de vir aqui fazer visita”, diz Santos.

“Já dá uma comodidade maior. Na semana passada, a gente precisava ir até Santa Bárbara para resolver problemas simples”, comenta o técnico de almoxarifado Adão Miranda, de 41 anos, que foi ao banco nesta segunda. “Muita gente fala que a barragem não vai romper, mas quem sabe? A gente fica desnorteado.”

Outro morador da Vila do Gongo, o aposentado José Sayao, de 79 anos, saiu às pressas de casa após a sirene tocar no dia 8 de fevereiro, mas já não acredita nos riscos informados. “Vai fazer quatro meses que me tiraram de casa e até agora nada”, diz. Segundo conta, o imóvel foi alvo de saqueadores no período. “Arrombaram a porta e levaram TV, eletrodoméstico, acabaram com tudo.”
CPI

Deputados federais da CPI de Brumadinho estiveram nesta manhã na Câmara Municipal de Barão de Cocais. A comissão foi aberta para investigar a catástrofe com 242 mortos e 28 desaparecidos, que aconteceu em janeiro, e o impactado para moradores de áreas de mineração.

Após sobrevoo na região da mina do Gongo Soco, os parlamentares colheram reivindicações da população. Entre elas, apoio psicológico e pagamento de “renda mínima” aos afetados pelo risco de rompimento. No fim, ativistas pintados de lama fizeram um protesto contra a mineradora.

Cartazes foram colados no salão. Um deles dizia: “Bento Rodrigues nunca mais? Brumadinho nunca mais? A Vale segue assassinando”. Outro deixava antever as suspeitas contra a empresa, que deram o tom da reunião. “Queremos sondagem da área evacuada para sabermos o que tem debaixo das nossas terras.”

Membro da Comissão dos Evacuados, Carlos Leal foi o primeiro a discursar e se emocionou ao final. “Senhores deputados, (…) pedimos que obrigue a Vale a apresentar laudo sobre o nível de segurança da barragem Sul Superior, porque não existe laudo.”

Durante as falas, moradores mostraram documento indicando que a empresa fez prospecções nos terrenos em 2011. Também afirmaram que, embora tivessem sido retirados do local por causa do risco, trens de carga teriam continuado passando por ali. Até a barreira, em construção para conter a lama, virou alvo de suspeitas.

“O muro está sendo construído para comportar 22 milhões de m3 de lama, mas na barragem só tem 9 milhões de m3”, diz Leal. “Para mim, esses elementos indicam que a Vale está interessada em continuar a atividade de mineração aqui.”

Presidente da CPI, o deputado federal Júlio Delgado (PSB-MG) afirma que denúncias “de prospecção em áreas para futura exploração” são “graves”. “Isso tem de ser apurado com seriedade.”

“A Vale está falando que precisa de um ano para fazer essa (barreira de) contenção, sendo que a barragem pode romper a qualquer momento”, diz o deputado. “Fica parecendo que realmente tem um interesse anterior.”

Procurada, a Vale não se manifestou.

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